O Presépio: 802 Anos de História, Teologia e um Olhar Detalhado sobre a sua Composição


I. A Génese Histórica: O Gesto Revolucionário de São Francisco de Assis (1223)

A tradição do presépio, que remonta a 802 anos, é um dos costumes mais poderosos do Natal. A sua origem remonta a São Francisco de Assis, que o concebeu e montou pela primeira vez na noite de Natal de 1223, na pequena gruta de Greccio, em Itália.

O Propósito Original: Tocar a Pobreza

O ato de São Francisco foi radical e profundamente espiritual. O seu desejo era tornar o mistério da Encarnação visível e palpável (Francisco Vêneto). Ele queria ver, “com meus próprios olhos corporais, o desconforto das necessidades do Filho de Deus, como Ele ficou numa manjedoura e como descansou no feno”.

A cena original, encenada com a ajuda do cavaleiro Giovanni, utilizou uma manjedoura, feno e animais vivos (boi e jumento), permitindo que o povo — especialmente os mais humildes — pudesse “sentir” e “tocar” a pobreza e a humildade em que o Salvador veio ao mundo.


II. O Simbolismo Teológico: As Figuras do Evangelho Vivo

O presépio é um “Evangelho vivo” (Papa Francisco) onde cada elemento não é meramente decorativo, mas um veículo de catequese e adoração.

Figura Significado Espiritual Simbolismo Profundo
Menino Jesus O Protagonista e o centro de toda a fé cristã. Representa o amor de Deus que se fez homem e a esperança de salvação. Humildade, Salvação, Luz do Mundo.
Maria e José Pilares da fé e da obediência. Maria é o modelo da entrega; José, o guardião e exemplo de fortaleza no silêncio e aceitação da vontade de Deus. Fidelidade, Dedicação Familiar, Oração.
Pastores Representam a simplicidade e a prontidão; os humildes que são os primeiros a reconhecer e a acolher o Salvador. Vigilância, Fé Primitiva.
Anjos O mensageiro da paz e o anunciador da Boa Nova, proclamando a glória de Deus. Louvor, Intervenção Divina.
Reis Magos Representam a universalidade da salvação. Guiados pela Estrela, simbolizam que todos os povos e culturas buscam e adoram o Salvador. Adoração, Sabedoria, Universalidade.

O Reconhecimento da Identidade: A Oferta Profética dos Magos

Os presentes trazidos pelos Reis Magos (Ouro, Incenso e Mirra) não são apenas ofertas, mas um reconhecimento das três identidades de Jesus:

  • Ouro: Simboliza a Realeza, reconhecendo Jesus como o Rei dos Reis.

  • Incenso: Simboliza a Divindade, sendo usado em ritos de adoração, reconhecendo Jesus como Deus e o grande Sacerdote.

  • Mirra: Simboliza a Humanidade e o Sacrifício, pois era usada no embalsamento, prenunciando a Paixão e Morte de Cristo pela salvação da humanidade.


III. Um Olhar Detalhado: Elementos Históricos vs. Tradicionais

Um exame atento revela que alguns elementos centrais do presépio têm a sua origem mais na tradição e em textos extrabíblicos do que nos Evangelhos canónicos (Fonte: Aleteia).

1. Estábulo ou Gruta

  • O Texto Bíblico: São Lucas (2,7) apenas refere que Maria deitou o Menino numa manjedoura porque “não havia lugar para eles na estalagem”. Não é mencionado um “estábulo”.

  • A Realidade Histórica: Na antiguidade, em Belém, era comum abrigar animais em grutas ou cavernas. É por isso que muitas representações da Igreja primitiva e alguns presépios atuais mantêm a tradição da gruta, considerada o local historicamente mais provável.

  • A Tradição Adicionada: A imagem do estábulo (cabana de madeira) surgiu mais tarde, quando artistas cristãos passaram a representar o nascimento num contexto arquitetónico familiar às suas culturas, especialmente no Ocidente.

2. O Burro: Um Meio de Transporte

  • O Texto Bíblico: Não há qualquer menção a um burro na cena da Natividade.

  • O Elemento Tradicional: A sua presença deve-se ao documento extrabíblico Proto-Evangelho de Tiago, que relata que José colocou Maria sobre o lombo de um burro para a auxiliar na longa viagem de Nazaré a Belém.

  • Significado: O burro não é um animal da gruta, mas sim aquele que transportou a Mãe de Deus – e o próprio Deus que ela trazia em seu ventre – sendo um símbolo da jornada e do transporte divino.

3. O Boi: O Reconhecimento da Criação

  • O Texto Bíblico: Não há qualquer menção a um boi na cena da Natividade.

  • O Elemento Profético: A sua inclusão provém de uma interpretação do profeta Isaías: “O boi conhece o seu dono, e o jumento o berço do seu dono; mas Israel não sabe; o meu povo não compreende” (Isaías 1,3).

  • Significado: A presença destes animais simboliza que até a Criação (os irracionais) reconhece o seu Criador na Sua fragilidade, contrastando com a cegueira ou rebelião humana.


IV. A Voz do Magistério: Humildade e Contemplação

A Igreja Católica moderna continua a sublinhar a importância do presépio como instrumento de evangelização, destacando a sua mensagem de humildade.

  • Papa Francisco: Na Carta Apostólica Admirabile Signum (2019), classificou o presépio como um “sinal admirável” e uma “escola de sobriedade” que se opõe ao frenesim do consumismo. Convida a “sentir” e a “tocar” a pobreza de Jesus, chamando a atenção para o essencial.

  • Papa Emérito Bento XVI: Enfatizou o rigor teológico e a necessidade de silêncio e contemplação perante o mistério da Encarnação. Destacou que a cena mostra o próprio Deus na pequenez, reforçando que o presépio é a preparação visual para a liturgia do Natal.


V. Referências Utilizadas na Construção do Artigo

  • Fontes Primárias e Históricas:

    • Francisco Vêneto. (Relato da criação do primeiro presépio por São Francisco de Assis em 1223, em Greccio).

    • Proto-Evangelho de Tiago. (Fonte tradicional para a inclusão do burro).

    • Profeta Isaías 1,3. (Base bíblica para a inclusão do boi).

  • Magistério Pontifício:

    • Papa Francisco. Carta Apostólica Admirabile Signum sobre o significado e o valor do Presépio (2019).

    • Papa Emérito Bento XVI. Homilias e Reflexões sobre o Natal e a Epifania.

  • Análise Temática:

    • Aleteia. (Fonte para o detalhamento dos elementos e a distinção entre Estábulo/Gruta e a origem extrabíblica do burro e do boi).

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